(foto: 1000 homenzinhos de gelo da brasileira Nele Azevedo)

Somos tipicamente ou atipicamente forjados pelo verão, principalmente agora com essa loucura de elevadas temperaturas que chegam a nos sufocar em dias de baixa umidade de ar. Para quem mora no sertão nordestino, acostumado a muito sol e pouca água, feito um de nós, rapidamente nos adaptamos a esta atmosfera equatorial comum em países como o Brasil.
O clima influencia diretamente em nossa cultura, no cotidiano e em nosso modo de viver, basta vermos como nos vestimos, o que comemos e o que fazemos. Verão aqui é basicamente o ano todo! Vivemos num país que não vê mais a passagem de uma estação à outra. Esse fenômeno era visto somente no sertão nordestino, pois íamos do verão ao inverno, do inverno ao verão o tempo todo. Agora, não só o Nordeste, mas o Brasil inteiro experimenta como é viver num país de uma estação só.
Como disse, somos forjados pelo verão. De dezembro a fevereiro, do Natal ao Carnaval, o cidadão brasileiro, seja ele nordestino, gaúcho ou carioca, é exposto ao calor do sol das sucessivas festas que ocorrem justamente nesse período. Um verão com cara de sol literalmente e metaforicamente, pois é tempo de férias, fazer boas viagens, sair com a família, passear, divertir-se, celebrar e etc. Para alguns, o verão parece refletir a alma do brasileiro que gosta de carnaval e futebol. Para outros, significa o esvaziamento de si mesmo, a perdição da alma.
Na verdade, uma grande maioria se permite demais quando está vivendo estes momentos de alta sensação de liberdade. Na mesma proporção em que o calor aumenta, as ações impensadas também aumentam na vida do cidadão. A sensação de intensidade e imediatez que o verão evoca na mente do jovem e de outras pessoas é impressionante. Há que se ter muito cuidado com isso. Não é agora e nem nunca que você vai beber toda a bebida do mundo. Do contrário; você pode não beber. Não é agora que você precisa sair com todas as mulheres do mundo; você pode esperar. Não é agora que você tem de consumir tudo; você pode economizar. No verão, as pessoas se permitem a tudo perdendo a noção de medida, de sobriedade!
Ou seja, o verão vem se tornando, com o passar do tempo, por coincidir com as férias, com 13º salário, com o carnaval e etc., uma concorrência desleal consigo mesmo do “salve-se quem puder”, numa espécie de “happy hour”, momento feliz em que é preciso aproveitar tudo deste período custe o que custar. Até o corpo é trabalhado para o verão; muita malhação e pouca comida. Se já não há limites para a ditadura do corpo, imagine no verão. Para satisfazer os prazeres do corpo, tudo vale, tudo é permitido, não sobra tempo para mais nada em meio às parvoíces veranis.
O que sobra? Nada. Aí está o risco que muitos correm no verão: perder o controle da vida. No vale tudo da vida deste breve verão, que tem dia e hora para acabar, não vale a pena expor-se ao sol da promiscuidade sexual, das drogas, do consumismo exagerado, do desperdício e, muito menos, do vaivém de aventuras tão próprias a este relativo período, uma vez que possa ser mais difícil desacelerar até voltar ao ritmo natural de outras estações do ano; voltar ao controle da vida.


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.




O renomado boletim "O dia d" semanal editado pelo centro de Filosofia Educação para o Pensar de Florianópolis/SC, Ano 5, nº 275, de quinta-feira, dia 26/07/2012, publicou mais um texto do Prof. Jackislandy Meira que discute sobre PENSAR PELO ESTÔMAGO. Veja abaixo o boletim e mais abaixo ainda clique no link do site desta página que, dentre outros artigos, traz sugestões impressionantes de cursos, bem como o convite para a leitura do riquíssimo jornal "Corujinha" com matérias formidáveis de práticas filosóficas nas escolas e em nosso cotidiano.




Quem for capaz de ter uma visão do conjunto é dialético; quem não o for, não é”(Platão, República, 537c).

“O ensaio pensa em fragmentos”(Adorno, O ensaio como forma).



À primeira vista, a palavra “ensaio” pode soar a algo que não tem validade, não tem importância, a exemplo de um ensaio para um show, para uma música, para uma peça. Qualquer ensaio está relativamente condicionado ao que não é, pelo menos ainda. Popularmente a palavra ensaio aparece muitas vezes carregado desse sentido, o que não nos impede de ir mais longe ou de ir até Montaigne para mostrar a pertinência de um ensaio filosófico. O estilo ensaístico persegue todo aquele que se arrisca a escrever livremente sobre um determinado aspecto da realidade, embarcando na aventura de trazer para si e sobre si quaisquer pensamentos, como que recortando, fragmentando a realidade para si.
Já no século passado, ninguém talvez soube dizer tão bem quanto Foucault o que é um ensaio. “O ensaio – que é necessário entender como experiênica modificadora de si no jogo da verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins de comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma 'ascese', um exercício de si, no pensamento”(FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Vol 2. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984. p. 13).
Fiz uso da citação acima para mostrar o quanto a palavra “ensaio” está banalizada, bem como a Filosofia e demais áreas de saberes. Isso se deve ao fato de conspirarmos a favor de uma cultura da fragmentação que nos envolve a todos e que nos fez perder a noção de totalidade, de metafísica, de conjunto, de complexidade. Vivemos e, diga-se de passagem, gostamos do que é simplório e vulgar. Gostamos e aplaudimos as vulgaridades. Ostentamos um mundo de vulgaridades na linguagem, no estilo literário, na política, nos saberes. Vivemos, agora, exaltando as mais frívolas atitudes de simplificação do olhar. Os objetos de estudo são analisados periférica e superficialmente sem nenhuma dosagem sequer de Filosofia.
A atividade filosófica não pode ser, é claro, um jogo puramente exclusivo da profundidade e da obscuridade das ideias que não chegam ao público e que permanecem apenas dentro das academias como propriedade exclusiva dos “intelectuais”, todavia, a filosofia é uma reflexão sobre os saberes disponíveis, uma espécie de ensaio sobre a vida. Não sem convicção, Comte-Sponville despertou para o seguinte: “Não podemos, sem filosofar, pensar nossa vida e viver nosso pensamento: já que isso é a própria filosofia”(COMTE-SPONVILLE, André. Apresentação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12).
O estilo de se escrever em forma de “ensaios” levou o filósofo renascentista Michel de Montaigne a píncaros altíssimos de análise da vida em diferentes aspectos. Ele captura particularidades variadas da sua realidade e de outros autores num tom incrivelmente reflexivo e individual que lhe é muito peculiar. O “Da Educação das crianças” que lhe coube um ensaio à parte. Diz ele: “Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua opinião”(MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: Ed. Abril, 1972, p. 81-82). Aqui, ele admite opiniões duvidosas na educação das crianças a fim de atingir a maturidade filosófica, até porque as crianças não são dotadas só de razão, mas de imaginação, de vida, de sentidos e etc. Não é só a ciência, tampouco a dialética, que constituem uma boa educação. A filosofia é um ensaio que extrapola toda e qualquer tentativa de sistematização do saber, por isso ser importante para a educação das crianças. Com o ensaio, admite-se e estimula a dúvida; desperta na criança o hábito da reflexão. Vejam mais o que Montaigne nos diz sobre “os meios e os fins”, “Da tristeza”, “Da covardia”, “Do medo”, “De como filosofar é aprender a morrer”, “a força da imaginação”, “De como julgar a morte”, enfim...
Os ensaios filosóficos ou literários são reflexões muito pessoais por cima, por baixo, por dentro e pelos lados da realidade. É levar o texto a suportar, ao máximo, a fragmentação e amplidão das opiniões, das ideias. São textos fragmentados, mas que não se diluem, nem se perdem no obscurantismo das ideias filosóficas, mas ganham toda uma consistência pelo conjunto da obra. O saudoso escritor e filósofo paraense Benedito Nunes, por exemplo, ganhou um prêmio pela Academia brasileira de Letras pelo conjunto da obra. Escreveu muitos ensaios filosóficos em sua vida. Reuniu todos e vejam o que deu, uma harmonia maravilhosa entre literatura e filosofia. Maravilhoso! O ensaio ganha consistência também porque é escrito, muitas vezes, por quem realmente conhece a vida e suas dificuldades. O escrever do ensaísta é um escrever com autoridade de quem diz o que viveu. O reflexo de sua tinta é a sombra de sua vida, isso é muito importante num ensaio.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia


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