Às vezes me
pego a pensar livremente, de um modo estranhamente natural e instintivo, sobre
o dado da mentira. A mentira tem várias faces. Tal qual moeda, certamente, tem
uma cara e uma coroa. Na política então... Há mais cara do que coroa.
Quando ela
mostra sua cara é terrível, pois vem quase sempre carregada ou a serviço de
quem amamos. É bem por isso que a Bíblia trata a mentira, lá em Jo. 8. 44, de
filha do diabo. Se Satanás, na inspiração bíblica, é o pai da mentira é porque
algo de muito nefasto, mal e perverso tem a ver com a mentira. A mentira
atrapalha vidas de casais, possivelmente quando uma das partes se utiliza dela
para esconder uma traição ou uma verdade que implica dor e sofrimento a ambos.
A mentira separa velhos amigos e é a causa de conflitos entre pais e filhos. A
mentira joga com o engano para nos oferecer o reino das ilusões imediatas. Uma
mentira está sempre puxando outra e alimentando a desconfiança de muita gente.
Ninguém confia no mentiroso!
Sinto muito
aqui ser tão pragmático, mas é o que ocorre quando achamos que podemos enganar
as pessoas a vida toda com nossas mentiras. O mentiroso está sempre na linha da
falsidade, uma vez que se esconde num “mundinho” só seu. Quase sempre o
mentiroso é egoísta e não tolera a verdade. É capaz até de falar a verdade para
os outros, mas não suporta a sua verdade. É óbvio que a mentira em si não
existe, só passa a existir quando a praticamos, é por isso que as ações
incoerentes nos denunciam assustadoramente. Da mesma forma que a honestidade
enquanto tal não existe, mas a partir do momento em que tomamos ações honestas,
justas e bondosas, aí sim somos honestos, uma vez que praticamos a honestidade.
Assim, é preciso praticar a mentira para ser, de fato, mentiroso. Negando a
mentira, não significa dizer que sejamos verdadeiros, mas negando a prática da
mentira, não a praticando, é que, sem dúvida, somos verdadeiros. Essa é a cara
da mentira.
Mentir
tornou-se uma constante no mundo da política, haja vista a pauta de planos e de
estratégias que os políticos, na sua imensa maioria, têm de cumprir.
Estratégias estas, claro, tendo em vista as eleições, os votos, e nada mais.
Para conquistá-los, a mentira entra em jogo voluntariamente fazendo qualquer
negócio. Ao contrário de muitos de nós que mentem involuntariamente, – até
pensando em amenizar a dose da verdade para os outros, e talvez esteja aqui a
outra face da moeda, a coroa – o político mente caprichosa e ardilosamente, uma
vez que vive mais dela do que ela dele. Explico. O político se serve mais da
mentira para atingir seus objetivos, do que a maior parte das pessoas, que são
pegas de surpresa por ela, são usadas por ela, quando não gostariam.
Todavia, não
sem razão, disse Platão sobre a mentira no diálogo Hípias Menor, algo
assim: “Os mentirosos são capazes, e inteligentes, e conhecedores, e sábios
naquilo em que mentem...”(PLATÃO. Sobre a inspiração e Sobre a mentira. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2008, p. 64). É óbvio que o mentiroso ignorante
também se engana e acaba falando a verdade. Portanto, é próprio do homem mentir
e falar a verdade, quer voluntária ou involuntariamente. Nesse diálogo que ora
cito, vem considerada a possibilidade humana de agir com consciência de modo
vergonhoso ou não, aí entra a mentira, pois quem mente é versátil e multiforme.
Aqui está, sem dúvida, a coroa da mentira, na sua linguagem em parecer-se
criativamente com a verdade. O modo de falar a mentira como se fosse verdade,
com persuasão, é uma de suas curiosas artimanhas. O sofista era muito
habilidoso nesse aspecto. Daí, a mentira ser tão importante para a política.
À deriva de um
olhar bíblico-cristão, a mentira vem relativizada, sobretudo, na esfera
política, na esfera filosófica até certo ponto, como também no campo da
linguagem, da arte e da ética numa visão “extramoral”. Nietzsche foi um exemplo
claro de tratar a mentira num sentido artístico, poético e filosófico além dos
padrões culturais em que vivia e no qual se sentia aprisionado, talvez por isso
seu espírito livre esteja tão presente em sua obra. “Ora, o homem esquece
sem dúvida que é assim que se passa com ele: mente, pois, da maneira designada,
inconscientemente e segundo hábitos seculares e justamente por essa
inconsciência, justamente por esse esquecimento, chega ao sentimento da
verdade(...) O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas,
metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram
enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo
uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são
ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e
sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em
consideração como metal, não mais como moedas”(NIETZSCHE, F. Col. Os
Pensadores. São Paulo: Ed. Abril. 1999. p. 46-49).
Joguemos, pois,
a moeda para cima e esperemos cair. Se for cara, bastante cuidado com a
mentira, ela poderá arruinar sua honra e sua fama. Se for coroa, prudência, a
mentira poderá ser um sinal de que não é hora de falar a verdade, porém mais
cedo ou mais tarde, a verdade aparecerá com toda a sua força e mais viva do que
nunca. De qualquer modo, tenhamos muito cuidado com a moeda da mentira por mais
sedutora que ela seja!
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em
Metafísica
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