(ilustração: a família
de Tarsila do Amaral)
Talvez alguém dissesse: “Que dilema desgraçado”. Não é
desgraçado porque não é sem graça. É um dilema até certo ponto,
pois depende muito da valoração de cada um. Para quem a verdade vem
primeiro, o amor será sempre um pouco sem graça. Aos que enxergam o
amor mais na frente, a verdade é que se torna sem graça. Ora, que
seria do amor se não tivesse graça? O que pensar da verdade sem um
pouco de amor? E o que dizer, então, do amor sem verdade?
Essa relação entre verdade e amor nas situações conflitantes do
dia a dia não é de fácil compreensão, tampouco de fácil
realização. Quase sempre ficamos em maus lençóis. Como falar a
verdade sem desgraçar alguém? Como promover a verdade sem causar
ódio ou dano às pessoas? E o que fazer quando amamos demais, ao
ponto de nos abestalharmos? O amor nos deixa tolos, abobados e
bestas?
Tomemos muito cuidado com o que estamos fazendo conosco e aos filhos
no tocante à educação. Os filhos precisam respeitar e vislumbrar
nos pais um modelo de comportamento ético. Pais infiéis geram
filhos infiéis. Pais mentirosos geram filhos mentirosos. Pais
ignorantes geram filhos ignorantes e assim por diante. Numa época em
que as famílias de modelo patriarcal estão em demolição pela
ausência da figura do pai, no sentido de sua omissão e de sua
liderança, as famílias acabam se maternalizando por demais, uma vez
que a liderança e a disciplina, tão próprias aos pais para formar
os filhos em geral, ficam restritas aos zelo das mães, que não
poupam esforços e sacrifícios para fazer as vezes do próprio pai
dentro da família. Porém, mesmo que a família nuclear esteja bem
composta, o que está se tornando cada vez mais raro, pois
encontramos, com mais frequência, as famílias fragmentadas, ainda
assim não se percebe uma preocupação explícita dos pais em
disciplinar os filhos; combinar horário; afastar a mentira; falar
com autoridade; cumprir regras; fidelidade no matrimônio;
compromisso com Deus...
Atitudes como estas, cada vez menos presentes no convívio familiar,
demonstram que acima do amor deve vir o compromisso com a verdade,
que está na linha da lei e da formação da personalidade. Imagine a
primeira reação de um filho ao flagrar os pais na mentira.
Todos nós devemos aprender mais com a verdade, e não fugir dela.
Engraçado, não suportamos a verdade. No mais das vezes, preferimos
o amor à verdade. Queremos muito mais massagear o nosso ego com
carinhos e afagos, ouvindo o que se gosta, afirmando o que se pensa,
do que ouvir a verdade; que precisamos corrigir isso ou aquilo, pedir
desculpas quando ofender alguém, assumir as consequências pelos
malfeitos. Não podemos mais deixar pra lá, esquecer e fazer de
conta que nada aconteceu. Errou, tem que aguentar as consequências,
a fim de se evitar não repetir os erros.
Em decorrência disso, estamos produzindo pessoas menos resistentes
às adversidades da vida, ao sofrimento, à dor. O erro está
justamente na formação. Não devemos somente passar a mão na
cabeça dos filhos toda vez que eles errarem e chorarem, mas
precisamos mostrar-lhes, pelo diálogo e pela conduta, que é
possível aprender com os erros, e que o sofrimento é uma ótima
escola.
O fato é simples: Poucos de nós suportam a verdade. Entre o amor e
a verdade é preciso considerar algo. Nem um dos dois é suficiente e
absoluto para viver bem. Só o amor nos deixa tontos, meio que
vulneráveis diante das atrocidades da natureza humana. Só a verdade
pode gerar homens totalitários e absolutos, incapazes de recuar, de
relevar, de se soltar um pouco, de se despreder das convicções e
assumir que precisa mudar.
Verdade demais pode afastar os amigos da gente, uma vez que ninguém
é perfeito. Amor demais pode nos arrastar para a bobagem, na medida
em que se perde a admiração e o brilho. Em geral, é muito perigoso
quando escolhemos uma em detrimento da outra. O mais razoável seria
escolhermos uma e outra em nossas ações, e não uma à outra.
Verdade e amor não se excluem, mas se completam admiravelmente.
Depois desse devaneio sobre a verdade e o amor, você ainda concorda
com a tão honrosa expressão atribuída a Aristóteles: “Amicus
Plato, sed magis amica veritas” - “Amigo de Platão, mas mais
amigo da verdade”?
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em
Metafísica
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